domingo, 29 de novembro de 2009

Amor: O Mito, O Embuste e a Psicanálise

Vou contar uma estórinha que não começa com o famoso “Era uma vez...”. É sobre um mito. O mito do nascimento do Amor (Eros) – tal qual descrito por Platão em O Banquete. Quando nasceu Afrodite, os deuses banquetearam e entre eles estava Poros (o Expediente, O Astuto, A Riqueza), filho de Métis. Depois de terem comido, eis que aparece Pênia (A Pobreza) para mendigar, pois tinha sido um grande banquete. Ela não entrou, porque não tinha nenhum presente a oferecer. Aconteceu que Poros, embriagado de néctar, entrou nos jardins de Zeus e, pesado como estava, adormeceu. Pênia, então, pela carência em que se encontrava de tudo o que tem Poros, e cogitando ter um filho seu, dormiu com ele e concebeu Eros. Por causa disso, Eros tornou-se seguidor e ministro de Afrodite, porque foi gerado durante as suas festas natalícias; e também era por natureza amante da beleza, porque Afrodite também era bela.

Foi por intermédio desse encontro que nasceu Amor (Eros), resultado de um masculino passivo (amado), desejável, e um feminino ativo (amante), desejante. Convém explicar o que ocorre entre o amante e o amado. O que é o amante? É aquele que, sentindo que algo lhe falta, mesmo sem saber o que seja, supõe em outro (o amado) algo que o completaria. O amado, por sua vez, sentindo-se escolhido, supõe que tem algo a dar, sem saber bem o quê. Mas, como o amado é também um ser faltante (e falante), algo também lhe falta, como ao amante. Assim, o que ambos têm a dar é um nada, um vazio. E mais: aquilo que o amado supõe ter para dar, não é o que falta ao amante.

O amante não sabe o que lhe falta e o amado não sabe o que tem - um não-saber que é do inconsciente.

Normalmente, as crianças têm a mãe como o primeiro objeto amoroso. Freud descobriu, em sua auto-análise, que, quando criança, teve sentimentos de amor para com sua mãe, e de ciúme em relação ao pai. Toda criança passou por isto, embora o tenha recalcado - o que vai acarretar mais ou menos dificuldades nas escolhas de objeto posteriores. Estas escolhas são mediadas por um modelo, o de um outro. Este é o processo que instaura a estruturação do sujeito. A criança que não teve ainda acesso à linguagem, que tem uma imagem imprecisa de seu próprio corpo, não tem noção do eu e do objeto, não tem sua identidade de verdadeiro sujeito. Seu investimento é auto-erótico. Tudo se passa no registro da necessidade. A estruturação implica em ultrapassar o registro da necessidade para o do desejo. O grito e o choro, inicialmente, expressão de insatisfação e desconforto, tomam-se apelo, demanda de outra coisa. A resposta do outro, sob a forma de olhar de reconhecimento, vai constituir a identidade do sujeito. É o chamado narcisismo (primário), investimento do sujeito em si mesmo, nesta imagem de si mesmo confirmada pelo outro. A esta identificação primordial vão se suceder as identificações imaginárias, ainda exteriores, a ponto de Lacan dizer que "o eu é um outro".

Freud aponta o fato pouco raro de que muitos homens não conseguem desejar a mulher que amam, nem amar a mulher que desejam. É que a mulher amada e respeitada, escolhida segundo um modelo da mãe, torna-se, por isto mesmo, proibida.

Mudando de pau para cacete. Em O Banquete também está escrito: "é impossível a qualquer pessoa dar aquilo que não tem, nem ensinar aquilo que não sabe". O amor é um significante, uma metáfora, uma substituição: É na medida em que a função do amante, na medida em que, ele o sujeito da fala, vem no lugar, substitui a função do objeto amado, que se produz a significação do amor.

Lacan afirma que "amar é querer ser amado". Sendo assim, no mesmo momento em que o amante constitui alguém como amado, transforma-o em seu amante, e vice-versa. Do lado do amante, está a posição ativa, que provoca automaticamente sua reversão em passividade. A metáfora do desejante aponta para a resposta à questão: "o que é desejado? É o desejante no outro".

Mas, o paradoxo do amor ostenta seu lado fraco, um impasse e um problema, na medida em que "o sujeito não pode satisfazer a demanda do Outro se não o rebaixando, fazendo deste Outro o objeto de seu desejo".

Mesmo assim, o amor é privilégio do ser falante. Os animais não amam porque não podem demandar a um outro que produza a metáfora do amor. Por isto, se alguém responde à demanda de amor dando alguma coisa sem metaforizar, não está amando. É um engano, um logro. "Há, no rico, uma grande dificuldade de amar". Porque ele se apressa em responder à demanda, dando o que tem. Para Lacan, "dar o que se tem, isso é a festa, não é o amor". O rico, ao dar, quer se livrar do pedinte. Dar, para o rico, é o mesmo que recusar o amor. A má reputação dos ricos os dificulta de entrar no reino dos céus. Ali só entram os santos, os que, não tendo nada para dar, sendo pobres, podem amar verdadeiramente, estando aí sua riqueza.

E o analista? Este se coloca, inicialmente, na posição de amante, de demandante. Já que decidiu ser analista, este desejo lhe indicou que algo faltava. Faltava ser analista. Falta fundada no desejo de saber sobre o desejo do paciente, do amado. O analista pede, então, que o paciente lhe dê ou fale algo que ele, analista, não sabe o que é. O paciente, por sua vez, supondo que tem algo a dar, a dizer, o seu não saber sobre os sintomas, inverte a situação, passando à amante. Esta gangorra do amante-amado, vai se substituindo. O paciente sabe que tem algo não-sabido, o analista sabe que seu saber é só suposto. Assim, cada um só tem a dar um nada. Isto é a transferência, dar o que não se tem - o verdadeiro amor. Diz Lacan: "Para que o analista possa ter aquilo que falta ao outro, é preciso recusar o saber sobre o paciente. É preciso que ele esteja sob o modo de ter, que ele não seja, ele também, sem tê-lo, que não falte nada para que ele seja tão sem saber quanto seu sujeito". Daí a importância de que o analista não compreenda e não confie na sua compreensão. É bom até duvidar dela. Ele não tem que procurar, mas convém achar, justo onde não compreende e não espera encontrar. Pois, "é somente na medida em que, decerto, ele sabe o que é o desejo, mas não sabe o que esse sujeito, com quem embarcou na aventura analítica, deseja, que ele está em posição de ter em si, deste desejo, o objeto". E se o analista sabe o que é o desejo, sabe-o pela própria experiência de se ter defrontado com a causa do desejo em sua própria análise. Foi um processo de depuração de um desejo mais forte, uma mutação na economia de seu próprio desejo, que o transformou em desejante, habilitado a ocupar o lugar de desejado, lugar de causa do desejo.

Estão dadas assim as condições para que aconteça o verdadeiro amor, no dizer de Lacan: "A cela analítica, mesmo macia, não é nada menos que um leito de amor".

Duas pessoas se encontram, com determinada freqüência, durante meses, durante anos, numa salinha trancada, onde passam horas a sós, falando do que há de mais íntimo, pessoal, secreto, sofrido, magoado, esperançoso, feliz, alegre, todas as fantasias à solta, nenhum risco de julgamento ou censura. Sem falsas promessas, dizem-se coisas que a ninguém mais é dado ouvir, nem aos pais, irmãos, parentes, amigos, namorados, amantes, parceiros, colegas; coisas que, se não fossem ditas ali, nunca mais seriam proferidas pelo resto da vida, e isso, diante de alguém total e incondicionalmente disponível a escutar, sem limites. Então, isto não é o grande e verdadeiro amor? Aquele que dá o que não tem?

Concluindo: "Se o amor é dar o que não se tem, é bem verdade que o sujeito pode esperar que lhe dêem, já que o psicanalista não tem nada mais a lhe dar. Mas, mesmo este nada, ele não o dá - e é melhor assim. É por isto que, este nada, paga- se a ele – e generosamente, de preferência – para mostrar que, se não fosse assim, isto não seria caro".

Editado e adaptado de: Idéias de Lacan - Oscar Cesarotto

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Ron Mueck

Vou publicar aqui as fotos do incrível trabalho Ron Mueck. É um tipo de arte mais contemporânea, ainda carece de maior divulgação. Fiquei admirado com a sensibilidade do artista em reproduzir muito nitidamente as reações de suas esculturas sendo observadas pelas pessoas. Exprimindo variados tipos de emoção, cada uma delas parece estar experimentado uma situação a qual só podemos supor. Eu também só conheci (e por acaso!) esta semana e estou trazendo aqui para o blog esse achado. Senhoras e senhores, eu apresento a vocês, o incomparável: Ron Mueck.

Ron Mueck: (Melbourne, 1958) é um escultor australiano hiperrealista que trabalha na Grã-Bretanha. Este escultor utiliza efeitos especiais cinematográficos para criar obras de arte. São incrivelmente realistas e se não fosse o tamanho de suas esculturas certamente seriam fáceis de serem confundidas com pessoas. (Fonte: Wikipédia)





















segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Sua coluna CAPRICHO de toda semana.


O que querem as mulheres? Foi a pergunta que Freud se fez um dia. Morreu antes de conseguir respondê-la. A resposta foi descoberta há uns dias trás. Um brilhante comediante foi capaz de respondê-la: "tudo". Simples, não? Como toda resposta importante costuma ser. As mulheres querem tudo. Só as mulheres podem falar isso: "tudo!". Mas, ultimamente, esse desejo tem levado às mulheres a um estado de intenso desespero. As mulheres não podem ter tudo. Elas não podiam antes e também não podem ter agora. Então, o que mudou? É que antes elas queriam ter tudo, porém, naquela época de antigamente, eram poucas as coisas que efetivamente poderiam ter: um marido provedor, filhos, um lar e uma vida confortável = vida feliz/ou um adoecer histérico. Agora, as mulheres, a cada dia, querem ter mais coisas: uma carreira profissional de alto nível; uma casa para chamar de "sua" (antes de uma para chamar de "nossa"); encontrar um homem ideal (sem aspas, porque, sim, eu provoco!); ser mãe e também estar sempre perto dos filhos; viajar pelo mundo (peraê... Isso deveria ou não ser antes???); ter dinheiro para as contas estarem sempre pagas no fim do mês; um carro que saiba estacionar sozinho; ter aos 40 o mesmo peso dos 22 anos; e ter uma quantidade exata de bolsas e sapatos para cada combinação de roupa que ela queira montar. Muita coisa, não é? Na verdade, não. Peço desculpas as minhas leitoras por ter feito uma lista resumida dos objetos mais comuns de seus desejos, enumerei quase todos os que me vieram à cabeça. Por outro lado, em qualquer área no mundo, que forme qualquer espécie de analista, este, diante de um projeto que tenha essas pretensões, daria categoricamente, como parecer, a inviabilidade de tal empreitada. E as mulheres com isso? Nada. Os desejos das mulheres não dão a mínima para as análises dos especialistas. Eles estão lá pressionando os mais louváveis esforços de equilíbrio da mulher moderna, e elas tem diariamente sofrido com essa gigantesca quantidade de exigências.

Tudo a respeito deste mundo que conhecemos, é que ele aumentou - e muito - o número de nossas escolhas. E renunciar todas essas inúmeras possibilidades, em detrimento de uma única, que nunca nos dá qualquer garantia mínima de retorno, nos faz sofrer no exato momento em que tomamos uma decisão. E é nesse tipo de mundo que a mulher mais evita viver. Por que o custo para ela é sempre muito alto - maior que para os homens, em comparação. A felicidade das mulheres está diretamente envolvida com a necessidade de flutuar por suas fantasias. Este mundo rápido, dinâmico e infinito de escolhas atrapalha o ritmo feminino. Paradoxalmente, este mundo é resultado da exigência feminina de participar ativa e livremente nos rumos que a sociedade deveria tomar. É um mundo que a mulher ajudou a construir, fundamentalmente, com seus ideais - ainda que ela tenha, tardiamente, se dado conta que era impossível saber que esse era o bicho que ia dar. Nós homens - poucos acostumados a esperar que decidam por nós- ficamos a tentar encontrar uma maneira de viver num mundo onde precisamos aprender uma forma de esperar o tempo necessário para a mulher se ambientar com seu novo papel. Para elas se acostumarem com o dever de assumir escolhas, aceitar renúncias e pouco sofrer com as incertezas. Enquanto nada disso acontece, os homens vão, paulatinamente, explorando seu lado emocional e perdendo sua virulência capilar. Triste de ver...