quinta-feira, 22 de julho de 2010

Je T'aime Mon Amour

Falando ainda de amor - sucesso de dez entre dez corações quebrados, partidos ou desesperançados -, me propus a questionar o que as pessoas pensam, falam e sonham quando falam sobre esse assunto. Tenho escutado constantemente certas queixas que não avançam em direção a uma solução, quanto a procura incessante por amar e ser amado, nesses nossos loucos tempos. As pessoas tem tratado a questão do amor sob a ótica de um conceito filosófico para se viver bem, ou desvendar o mundo íntimo e oculto de homens e mulheres (o que esses corações escondem e não contam?), a fim de se extrair uma verdade a partir disso... Muita tolice, em minha opinião. Me parece que o amor que as pessoas procuram não existe mais nesse mundo moderno em que vivemos. Está eternizado em livros ou em filmes que reciclam obras famosas que versam sobre o amor. Mas, faz parte do passado. Existe amor, sim! Mas, qual? Averiguemos...

Tem mulheres que os homens lhe amam a beleza, e a querem tomar para dela se aproveitar, a fim de obter somente uma satisfação sexual. E as mulheres gostam exatamente daquilo que os homens gostam nela. Tem homens que as mulheres lhe amam pelo poder que lhes foi investido através de seus cobiçados cargos de empresa ou de um grupo social, e que fazem questão de exaltar-se por intermédio de inúmeros imóveis luxuosos e de carros e iates de seis ou sete cifras. E os homens gostam exatamente daquilo que as mulheres gostam nele. Amam em si o que os outros amam nele. E quando o outro não ama mais o que ele próprio amava nele? O que resta desse(a) pobre coitado(a)? O que sobrou de si para ser amado por alguém? Nada. Tudo o que pensou ser... não passou de uma mentira inventada.

O amor não é invasivo, como algo do tipo, "eu te dou o que você gosta e você me dá aquilo que gosto". Não é um tipo de escambo. Nem pode ser, por que a mercadoria a ser trocada é uma ilusão. Você passa a vida pensando querer uma coisa e quando a têm vê que nem mesmo dela precisa. Talvez, até nem goste! Descobre que ela (coisa/pessoa/vontade) não é tão boa quanto você pensava ser. E se pega perguntando: "que gosto terá todas aquelas coisas que não provei porque pareciam ruins?". Se dá conta de que nem ao menos sabe do que realmente gosta. Esteve toda a vida vendada para as milhares de oportunidades de experimentar outras coisas e descobrir o que encantava, de verdade, você mas, estava concentrada demais nas idéias de que precisava de uma pessoa assim, uma pessoa assado...

Será que é preciso saber quem você é mesmo, para assim poder encontrar o amor? Penso que não. De fato, penso o contrário. Onde você não é - mas, está! -, é que reside o amor que vale à pena encontrar. Ou o amor te encontra (questão filosófica), como queira... Tudo que você faz sem saber o propósito: pode vir a se tornar um amor. Existem coisas tolas, ou mesmo das quais você próprio se envergonha, que são especiais para alguém... e você nem sabe! E são essas pequenas coisas, que não acontecem o tempo todo - só para quem passa certos momentos da vida ao seu lado -, que realmente traduzem o sentido que essa palavra escapa dizer. Esse é o que eu chamo de "verdadeiro amor". É o amor da companhia, o amor do encontro. É o amor onde você precisa estar presente para ver acontecer pelo outro (e não, no outro), para num só depois te afetar. Aquela banalidade tão frívola e tão inesperada, te captura. Ela nem foi para você. Nem foi para ninguém! Se quer mesmo saber... Mas, tocou você de um modo seu, único, particular. É isso o que eu chamo de amor. São esses raros momentos em que você - ou alguém - revela o que não era para ser admirado, o que não era para ser visto ou mesmo contado, mas que aconteceu mesmo assim. Não podendo mais ser esquecido.

Esse amor é de alguém de que não faz trocas. Experimenta. Em verdade, se arrisca! É um amor que não faz relação. Ele não analisa. Portanto, saber que gosta de uma coisa não exclui gostar de outra. Ele só sabe que gosta, pois foi afetado pelo imprevisto. Não estava preparado: só gostou. Não tinha um plano principal para adaptar os acontecimentos nele. Ele apenas sabe que gosta. Ponto! Está receptivo ao mundo em volta e, assim, pode encontrar o que e quem amar. Não precisa procurar pois, não há nada lhe faltando para ser completado. O que lhe falta é apenas para marcar um espaço de invenção, um vazio que vai buscar novas experiências. Assim sendo, sem modelo para orientar-lhe, não está refém de ter que gostar disso ou daquilo... Gosta no dia e não mais no outro, muda de opinião, pode transitar.

Isso acontece mesmo, sem saber. É um amor que se renova. Ele não insiste em algo que pensa querer. Apóia o inesperado pois, para existir algo para amar, é preciso faltar. É como um menino arteiro que atira uma pedra no lago. Essa pedra que toca a água e levanta voo para, depois, tocar a água de novo: é o verdadeiro amor. São como duas pessoas que ora só amam a si, ora amam algo no outro, ora a si, ora no outro. Acontecendo isso repetidas vezes durante a vida. E enquanto falta, se inventa. Mas se inventa o que amar, e não a quem amar! O surpreendente ato de amar se encontra no fato de amar uma coisa que mais ninguém sente precisar amar além de você. O amor que todos querem, vendidos em sonhos pela tv, ou em balcões de compra, esse não pode ser chamado de amor, senão tomado por uma outra coisa. Seu verdadeiro nome: puro delírio.

sábado, 12 de junho de 2010

Eu não reclamo!

"Eu não reclamo, mesmo se meu coração está quebrado.
Perdido para sempre!
Eu não reclamo.
Embora você brilhe com glória de diamantes,
Nenhum brilho cai sobre a noite de seu coração.
Eu sabia há muito - eu a vi em meus sonhos -
e vi a noite nos confins de seu coração,
E vi a víbora que pica o seu seio.
Eu vi, meu amor, o quanto ordinária você é."


Para aqueles que ainda, intensamente, sofrem por amor.


Nota: uma (Amor do Presente) das três partes do ciclo de canções "Dichterliebe" (Amor de Poeta), de Robert Schumman. Ele organizou as canções de forma a que a ordem reproduzisse os diferentes momentos de uma paixão. As primeiras canções falam da euforia da descoberta do amor, as seguintes abordam o ciúme e a desilusão, até que o ciclo se encaminha para o puro delírio (Fonte: Revista Bravo).

segunda-feira, 31 de maio de 2010

The Cleaner

É uma série inspirada numa estória de vida verídica (Warren Boyd), representada pela figura do Willian Banks (Benjamin Bratt), um ex-viciado que sai da prisão e abandona o seu vício frente ao iminente nascimento de sua filha. Ele faz um pacto com Deus: em troca do apoio para superar o vício e ser uma pai decente para sua filha, ele se dispõe a trabalhar na recuperação de outras pessoas com problemas semelhantes ao seu. Willian aceita inúmeros casos onde deve equilibrar sua inabalável dedicação em ajudar os outros com os fantasmas de seus antigos vícios. Precisa, ainda, lidar com as cicatrizes que seu vício provocou na vida de sua família enquanto abusava das drogas: seu filho confronta constantemente seu papel de pai, sua filha tenta ser perfeita e evitar problemas em casa e sua esposa sempre põe em cheque sua confiança nele.

A série não é exatamente o que considero um programa capaz de formar no espectador uma idéia real sobre pessoas com problemas por abuso de drogas. Por outro lado, é como uma espécie de retrato em preto e branco. E muito bonita! Tem episódios realmente interessantes, além de comoventes. Ainda conta com uma trilha sonora INCRÍVEL. O vídeo que disponibilizo abaixo é o ínicio do episódio 7 (House Of Pain) da primeira temporada. Eu achei um vídeo bem bacana para dar uma pequena idéia sobre o formato da série. Começa com uma missa em uma escola, em razão da morte de uma das aluna por overdose. A dupla cantando em homenagem a aluna chama-se Karmina e "Walk You Home" é o nome da música. Também aparece o garoto com quem o Willian precisará trabalhar ao saber que esse esconde sérios problemas por abuso de heroína.


Nota: Infelizmente, o vídeo tem somente o áudio em inglês. Eu escrevi as falas para quem quiser entender e acompanhar melhor a cena. O Willian tem a fala escrita com letra normal. A música está escrita em itálico.




"Vá devagar.
O que você está pensando?
Está tudo bem.
Eu estou do seu lado.
Odeio ver sua tristeza.
Desejo que você possa transferir todas as suas dores para mim.

Fica aqui.
Está tudo bem chorar.
Deixa eu ajudar a..."


Quantas vezes eu tenho visto isso?
Mais importante: quantas vezes você viu?

Não posso imaginar como é ter o poder para mover montanhas...


"Lembre-se que você não está sozinho."


E ainda ficar parado assistindo a tudo isso.


"Todos temos perdas.
Mesmo o mais corajoso precisa de alguém.
A lua só brilha com ajuda do sol.
Não é seguro quando você esta caminhando sozinho.
Eu vou a pé para casa.

O sol saiu.
Mas eu sinto que vai chover.
Então, eu sempre vou iluminar o seu dia."


Eu entendo que tudo acontece por uma razão.
E entendo que existem motivos misteriosos para tudo o que você faz.

Mas, eu me pergunto se momentos assim não fazem você duvidar.
Sobre o quê? Nós.


"Mesmo o mais corajoso precisa de alguém.
A lua só brilha com ajuda do sol."


Eu sempre desejei ter sua capacidade.
De ver todas as peças como um todo.

Mas, para ver coisas iguais a essas...
Eu não a quero.


"Eu vou a pé para casa."


O pacto que fizemos. Que eu fiz.
Ás vezes, eu compreendo.


"Alguém, para mantê-lo forte.
É mais difícil quando você está por você mesmo.
Sucesso não é o mesmo se esta sozinho.
Não pode tê-lo sem perdas.
Precisa ser reto para fazer um circulo.
Eu prefiro a harmonia.
Sua música é a melhor companhia.

Mesmo o mais corajoso precisa de alguém."


E o que vem depois?
Outro inocente perdido?
Outra morte?
Outro funeral?


"Não é seguro quando você caminha sozinho.
Eu vou a pé para casa.
Eu vou a pé para casa."


Sim, às vezes, eu posso entender.
Outras vezes...

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Another Brick in the wall from Israel? Not in Budrus!

Assistindo novamente o Manhattan Connection (o único programa de notícias que me agrada assistir...) tive a grata surpresa de saber a respeito do documentário “Budrus”, último trabalho da documentarista Julia Bacha, que o apresentou em entrevista. O documentário mostra como funciona a resistência palestina pacífica contra a ocupação israelense em Budrus, na Cisjordânia. O filme estreou esta semana no festival Tribeca Film, nos EUA e tem recebido críticas positivas em favor da sua produção. Destaco aqui o trailler em vídeo:



Aproveitando o assunto do post "Morro sob Morro", eu exibo aqui um vídeo da Julia Bacha sendo entrevistada a respeito do documentário "Encounter Point" (Ponto de Encontro). Ela comenta sobre a insistência que a mídia mundial dá na cobertura aos conflitos violentos entre Israel e Palestina e as conseqüentes tragédias derivadas desses conflitos, em detrimento dos importantes movimentos articulados por pessoas da sociedade civil, que atuam em ações pacíficas e que visam a aproximação entre os povos e em favor da paz.

Julia Bacha aponta para o fato de que esse documentário aborda, essencialmente, a possibilidade de haver um ponto comum para o díalogo entre os dois lados. Todavia, seu novo projeto, ela destaca, trata da importância que a atuação das pessoas da sociedade civil tem sobre essa mesma questão. Lembra do movimento organizado por civis e liderados por figuras como Gandhi e Martin Luther King, que tiveram êxito em muitas de suas reivindicações, a partir de suas atuações.


domingo, 2 de maio de 2010

"There is always hope". By Banksy

Banksy: (Bristol, 1975) é notório artista de rua inglês, cujos trabalhos em stencil são facilmente encontrados nas ruas da cidade de Bristol, numerosas manifestações de Banksy também são encontradas na capital britânica, Londres.

Suas obras são carregadas de conteúdo social expondo claramente uma total aversão aos conceitos de autoridade e poder. Em telas e murais faz suas críticas, normalmente sociais, mas também comportamentais e políticas, de forma agressiva e sarcástica, provocando em seus observadores, quase sempre, uma sensação de concordância e de identidade. Apesar de não fazer caricaturas ou obras humorísticas, não raro, a primeira reação de um observador frente a uma de suas obras será o riso. Espontâneo, involuntário e sincero, assim como suas obras. (Fonte: Wikipédia)










Criança hasteando uma sacola do Tesco como se fosse uma bandeira, enquanto outras duas prestam sua homenagem com a mão sobre o peito. A crítica ao monópolio do supermercado (o maior de Londres).



Cctv é o circuito interno de TV que se usa no país. Quase um Big Brother em grande escala.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Morro sob Morro

Faz certo tempo que ocorreu aquele acidente no Morro do Bumba. Faz um tempo ainda maior que não posto nada por aqui. Mas, estando de volta, venho aqui para, mais uma vez, questionar certas conclusões que acabam tornando-se uma espécie de parâmetro da normalidade, para quase todos à minha volta. Sem que isso deixe de causar mais a devida estranheza que tanto precisa causar.

Após essa tragédia, eu acompanhei, pela tv, muitos atores, cantores, apresentadores e todo tipo de celebridades opinando sobre o acidente. Foram opiniões com um conhecimento de causa que, sinceramente, me pareceu até que eram eles os pobres desabrigados. Houve ainda depoimentos comovidos e uma enorme quantidade de cobranças sobre aqueles que supostamente seriam os maiores responsáveis por aquele local se encontrar ocupado por casas irregulares.

O que eu tenho para escrever aqui é o seguinte... Aparecer para entrevistas para falar sobre essa tragédia é, em minha opinião, de um oportunismo sem fim. Parece-me importante questionar, primeiro, quem decide aparecer, apenas, para atribuir aos outros a responsabilidade e o dever de salvaguardar a vida de outras pessoas. É pertinente interrogar como essas pessoas, que aparecem na tv, simplesmente andavam por sua própria cidade, sem sequer estarem cientes que à sua volta existiam problemas respectivos à moradia e infraestrutura; ou, admitindo a possibilidade de estarem cientes a respeito de tais problemas, essas pessoas optaram por não tomar partido para evitar acidentes como o que ocorreu no Morro do Bumba. É nesse ponto que, falar sobre a responsabilidade dos outros, ao invés de sua própria escolha de não se envolver previamente com esses problemas, é o momento exato do oportunismo.

Protestos acalorados, opiniões politicamente corretas, shows e jogos beneficentes, etc. Perante a audiência para quem essas pessoas se dirigem, elas encontram uma forma de vender a idéia de que sempre estiveram sensíveis ao mal estar vivido pelos desabrigados, que a omissão das autoridades é o motivo responsável pela ocorrência de um desabamento e que resultou em tantas mortes. As pessoas aparecem para cantar, dar opiniões e falar de política quando ocorre uma tragédia. Mas, o que acontece quando não tem uma tragédia para fazer um show? Quando não tem um desabamento para criticar o problema de moradia da região onde se mora? Se essas pessoas não podem aparecer para mostrar os seus ideais e seus valores afirmativos, sem evidenciar sua própria imagem, para onde vai toda a militância e a vontade de resolver os problemas de sua própria cidade? Convém interrogar.

Outra questão se levanta tão importante quanto delicada. É uma afirmação que causa em muitas pessoas desconforto, mas que pode ser indício de uma questão que parece se tentar não revelar. Foi em um local repleto de lixo e num terreno irregular, no alto de um morro e sem a menor preparação para esse fim... Que as pessoas escolheram levantar suas casas. Existem sérios problemas de moradia em muitas cidades. Existe também o descaso do governo, o problema da distância de casa para o trabalho e tudo mais... Porém, construir sua própria casa no alto de um morro, onde sabidamente as chuvas costumam arrastar casas, é colocar a própria vida sob o controle do acaso. É esperar que uma melhor sorte lhe venha daí - melhor do que aquela que você obteve para si mesmo. O problema disso é que a chuva - ou qualquer outro fator dessa ordem: doença, acidentes, etc. - não obedece a nenhum tipo de moralidade. Portanto, não irá punir as razões pelas quais uma pessoa encontra-se numa situação caótica de moradia, ainda que existam condições sabidamente adequadas para se viver. Vou colocar um exemplo que considero claro para tratar sobre a questão da escolha, e que tem haver com muitas pessoas e diz respeito ao local de construção de suas casas. Quando as autoridades tomam alguma atitude, frente o risco de desabamento em determinada área, elas costumam mandar agentes para avaliar os riscos que as casas ali construídas oferecem, no caso de sofrerem com novas chuvas. Como sabem, as casas que oferecem tais riscos precisam ser desocupadas. Quando as pessoas são informadas que a casa corre risco de desabar, qual é normalmente o comportamento habitual nesses casos? Não desocupar as casas. Lacan cita um exemplo - para falar de outra coisa, é verdade - que me parece fundamental para abordar a questão da escolha. Um assaltante vira-se para a mulher e diz: "Ou passa a bolsa ou perde a vida!". E diante dessas premissas apresentadas a pessoa faz sua própria escolha. Mas, o que fica oculto nessa interrogação é o erro hermenêutico existente nessa oferta. A oferta correta seria: ou passa a bolsa e fica com a vida, ou perde a vida e depois perde também a bolsa. Não é uma escolha perder a bolsa. Ela será invariavelmente perdida nesse assalto. A única garantia que lhe é, injustamente, oferecida é ficar com sua própria vida. É a única coisa a qual lhe é oferecida e você pode garantir. E o que se costuma ver é que, o querer a vida não está acima de perder a casa. E me parece que o maior problema está nesse ponto onde a pessoa, mesmo numa oferta que parece irrecusável, mesmo numa escolha lógica onde ela só pode garantir uma única coisa - sendo essa a mais preciosa delas -, não é capaz de responsabilizar-se a fim de garantir sua própria sobrevivência. Se num momento iminente, em que dever garantir a vida lhe é uma opção, se a pessoa não faz essa escolha, me parece que em todos os outros momentos em que não exista essa pressão, ela se coloque não responsável pelas coisas que precisa e não tem, mas que sabe que deveria ter.

Portanto, o importante não está em alimentar uma postura de considerar aqueles que são os mais responsáveis. Todos fizeram escolhas: morar num morro íngreme e perigoso é uma escolha. Aparecer na tv para discursos políticos somente em momentos de tragédias é também uma escolha. Como também é o de não cumprir com seus deveres enquanto governante. Mas, é preciso você avaliar que escolhas possam fazer desaparecer a questão de suas queixas. E essas escolhas não terminam sempre tornando o outro fonte de seus próprios problemas. É preciso perceber que a sua participação na questão que você se queixa revela o seu real envolvimento com ela, e não exatamente o quanto você sofre ou se revolta. Isso vai além do que responsabilizar os outros pelos os incômodos acidentes que a vida causa em todos nós. Consiste em apropriar-se da questão que te afeta; responsabilizar-se por sua queixa. Existem pessoas trabalhando para melhorar o problema de moradia em áreas com risco de desabamento que sequer sabemos os nomes. Elas foram afetadas por essa mesma questão e escolheram atuar. É assim que a sua inquietação saiu do campo da queixa para a atuação, com a finalidade de obter melhorias frente esses problemas - problemas ao qual se queixava. É nesse ponto onde o que não pode ser feito é encarado com tranqüilidade. Pois, existe a confiança singular de que aquilo que você queria mudar para melhor, está sendo feito e por você.

Tomar com respeito a questão do acidente no Morro. Tomá-la como importante, com o intuito de levar adiante aquilo que se queixa e se responsabilizar pelas conseqüências que essa escolha acarreta e traz de mudança na vida de outras pessoas, é o melhor que se pode obter.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Do vazio no Budismo para um pensamento em Lacan. Aqui vai um conto budista...

O mestre japonês Nan-in concedeu uma audiência a um professor de filosofia. Aquele professor devia estar cansado de tanto andar quando chegou à cabana de Nan-in. E Nan-in disse: Espere um pouco. O homem devia estar com pressa. A mente está sempre apressada, está sempre procurando realizações instantâneas. Para a mente, é muito difícil esperar, quase impossível.

Nan-in disse: Vou preparar um chá para você. Você parece cansado. Espere um pouco, descanse um momento, e tome uma xícara de chá. Depois podemos conversar. E Nan-in ferveu a água, e começou a preparar o chá. Mas ele deve ter ficado observando o professor. Não só a água estava fervendo, o professor também estava fervendo por dentro. Não só a chaleira estava fazendo ruídos, o professor estava fazendo ainda mais barulho dentro dele, tagarelando, falando sem parar. Ele devia estar se preparando - o que perguntar, como perguntar, por onde começar. Devia estar num profundo monólogo. Nan-in deve ter ficado sorrindo e observando: Este homem está muito cheio, de tal maneira, que nada pode penetrá-lo.

Ao servir o chá, Nan-in encheu a xícara de seu visitante, mas continuou despejando sem parar. O professor começou a ficar apreensivo, pois o mestre não parava de despejar. A xícara estava transbordando. Logo o chá escorreria para o chão. Então o professor disse: Pare! O que está fazendo? Nem mais uma gota de chá cabe nesta xícara. Você está louco? O que está fazendo? E Nan-in disse: O mesmo acontece com você. Você está alerta para o fato de a xícara estar cheia, nada mais podendo conter, mas por que não está assim tão consciente a respeito de você mesmo? Você está transbordando com opiniões, filosofias, doutrinas, escrituras. Já sabe demais. Nada posso lhe dar. Você viajou em vão. Antes de vir até mim, deveria ter esvaziado a sua xícara. Então, eu poderia despejar algo dentro dela. Como esta xícara, você também está cheio de opiniões e idéias. Como posso mostrar-lhe o Zen, sem que antes você esvazie a sua xícara?

E eu lhe digo que você encontrou uma pessoa mais perigosa ainda. Eu não permitirei nem uma xícara vazia, pois você a encherá de novo. Você está tão viciado, ficou tão habituado, que não deixa a xícara ficar vazia nem por um momento. Assim que vê o vazio em qualquer lugar, começa a preenchê-lo. Você tem tanto pavor do vazio, tanto medo. O vazio se parece com a morte. Você irá preenchê-lo com qualquer coisa, mas o preencherá. E eu o convidei para vir aqui, para quebrar completamente essa xícara, de modo que, mesmo que você queira, não a poderá encher.

Diz o budismo: mesmo vazio, se você está presente, então está cheio. Até o vazio preenche você. Se você sente que está vazio, não o está absolutamente. Você está aí. Apenas o nome mudou. Agora você se chama vazio. A xícara não adiantará nada. Tem de ser quebrada completamente.

Só podia acontecer com um professor de filosofia. A história diz que um professor de filosofia foi ver Nan-in. Ele deve ter ido por motivos errados, pois um professor de filosofia, como tal, está sempre errado.

Filosofia significa intelecto, raciocínio, pensamento, argumentação. E esta é a maneira de estar errado, pois você não pode amar a existência se gosta de argumentar. A argumentação é a barreira. Se você argumenta, discute, você está fechado. Toda a existência se fecha para você. Então, você não está aberto, e a existência não se abre para você. Quando você argumenta, você afirma. Afirmação é violência, agressão, e a verdade não pode ser conhecida por uma mente agressiva, a verdade não pode ser descoberta pela violência. Você só conhece a verdade quando ama. Mas o amor nunca argumenta. Não há argumentação no amor, pois não há agressão.

Lembre-se: não apenas aquele homem era um professor de filosofia; você também é. Todo homem carrega sua própria filosofia; e todo homem é um professor, à sua maneira, pois você professa as suas idéias. Acredita nelas. Você tem opiniões, conceitos. Por causa das opiniões e conceitos, seus olhos estão embaçados, não podem ver; sua mente é estúpida, não pode conhecer. Idéias criam estupidez, pois quanto mais idéias existem, mais a mente está carregada. E como a mente carregada pode conhecer? Quanto mais idéias existem, mais elas se tornam como poeira que se acumula sobre um espelho. Como pode o espelho refletir? Sua inteligência fica realmente coberta por opiniões, pela poeira, e qualquer pessoa com opiniões certamente será estúpida e sem brilho.

Por isso os professores de filosofia são quase sempre estúpidos. Eles sabem demais para realmente saberem alguma coisa. Estão muito carregados. Pode haver diferenças de quantidade, mas todas as mentes são qualitativamente as mesmas, pois a mente pensa, argumenta, coleta, junta conhecimento e torna-se estúpida. Apenas as crianças são inteligentes. E se você puder preservar sua infância, se puder recuperá-la continuamente, você permanecerá inocente e inteligente. Se você acumula poeira, a infância é perdida, a inocência deixa de existir, e a mente torna-se estúpida e embaçada.

As pessoas que estão cheias de perguntas, estão sempre procurando respostas,. É tolice preocupar-se com perguntas e respostas. É sempre assim, pois a mente gera perguntas. A mente é um mecanismo para criar perguntas. Alimente-a, e ela lhe dará uma pergunta, e muitas outras se seguirão; dê-lhe uma resposta, e imediatamente ela a converterá em muitas perguntas. Você está aqui cheio de perguntas. Sua xícara já está cheia. ...

Vazio significa que nem a xícara restou. Todas as paredes desapareceram; O fundo da xícara caiu. Você tornou-se um abismo. Muito é possível, se você permite. Mas permitir é árduo, pois para permitir, você terá de se render. Vazio significa rendição. Nan-in estava dizendo àquele professor: Incline-se, renda-se, esvazie a sua cabeça.

No fundo, a pergunta é uma só — a ansiedade, a angústia, a falta de sentido, a futilidade de toda esta vida, sem saber quem você é. Mas você está repleto. O trabalho aqui será uma destruição, uma morte. Se você estiver pronto para ser destruído, algo de novo surgirá. Toda destruição pode tornar-se um nascimento criativo. Se você está pronto para morrer, pode ter uma nova vida, pode renascer. O fenômeno real, a transformação, acontecerá em você. Haverá sofrimento, pois nenhum nascimento é possível sem sofrimento. Muita angústia surgirá, pois você a tem acumulado, e ela tem de ser descarregada. Uma purificação e catarse profundas serão necessárias.

Quando o sofrimento é insuportável, a bem-aventurança está muito próxima. Por isso não tente escapar do sofrimento — esse é o ponto onde você pode pôr tudo a perder. Não tente evitá-lo; passe por ele. Não tente achar um jeito de dar uma volta. Não, isso não adiantará. Passe através do sofrimento. O sofrimento queimará você, Destruí-lo-á, mas, na verdade, você não pode ser destruído. O que pode ser destruído é apenas o lixo que você acumulou. O que pode ser destruído é algo que não é você. Quando tudo isso for destruído, você sentirá que é indestrutível.

Seja vazio, mas não pense isso, do contrário, estará enganando a si mesmo. Você trouxe muitas filosofias com você. Abandone-as. Elas não o têm ajudado absolutamente; não têm feito nada por você. Já é tempo, agora é o momento certo. Abandone-as completamente, não apenas partes, fragmentos delas. Sua mente é uma bagagem desnecessária. Você está carregando um peso desnecessário. Abandone-o.

Buda costumava dizer: Onde quer que você experimente a água do mar, o gosto é sempre o mesmo, sempre salgado.