Graças à presteza da velox, eu pude rapidamente resolver o problema da conexão e restabelecer minha internet no tempo recorde de 3 semanas(sic). No intuito de aproveitar melhor esse tempo, procurei indicações de todo tipo: leitura, música, bares, filmes... Faz tempo que haviam me falado do badalado O Cheiro do Ralo, e depois de uma nova investida para que eu assistisse, por fim, resolvi ir catar o tal filme na locadora. Eu assisti ótimos filmes que trataram a questão das psicoses. Forrest Gump, é um bom exemplo. Feito no Brasil, assisti o acurado e bem produzido Estamira, e fiquei realmente impressionado. Mas, nenhum outro filme tratou com tanto requinte e clareza (até mesmo didática!) a psicose como O Cheiro do Ralo.
Lourenço é o dono de um antiquário que compra quase todo o tipo de artigos que as pessoas queiram vender. Estas, em comum, antes de se desfazerem de seus objetos, procuram narrar à Lourenço toda a história de seus preciosos itens. Lourenço é indiferente ao valor afetivo que as pessoas atribuem a seus estimados objetos. E o fato das pessoas tentarem lhe vender aquilo que tanto apreciam torna a situação ainda mais dolorosa. Lourenço nunca fica convencido que exista mesmo o valor que as pessoas anunciam. Afinal, se estimam tanto, por quê lhe vendem? "É que estou mesmo precisando...". A expressão de desprezo do anti-herói é cômica e trágica. Lourenço não suporta a atitude corruptível das pessoas, e isso o torna extremamente interessante e complexo. O espectador sempre oscila suas opiniões sobre as atitudes ácidas de Lourenço para com às pessoas e a situação dolorosa que estão passando. Por outro lado, assim como as pessoas que despreza, ele próprio é capaz de atribuir um valor superestimado a certos objetos. Vemos Lourenço comprando um olho de vidro e a prótese de uma perna por uma quantia bastante alta. Portanto, ou Lourenço trata objetos como simples objetos, ou trata os objetos lhes conferindo um valor afetivo ainda mais significativo - do que, por exemplo, às pessoas a quem despreza. Essa discrepância é o que sinaliza a própria estrutura psicótica do personagem. Ao adotar a crença cega (rs) que o olho de vidro comprado de um veterano de guerra é o olho de seu pai, entendemos que o olho - enquanto parte de um corpo - substitui a totalidade desse corpo (corpo de seu pai). O mesmo acontece com a prótese da perna. A idéia de Lourenço é tentar construir o corpo de seu pai e dar-lhe vida - um pai Frankenstein -, e ao confiar na possibilidade de concretizar seu desejo no plano do real (passar ao ato) se reconhece que a certeza de poder reunir novamente as partes do corpo de seu pai, para pode viver junto a ele, é sintoma claro da ruptura característica da loucura. O olho e a perna não são mais partes de um corpo, como foram um dia. Lourenço admite que tanto o olho quanto a perna são o corpo de seu pai. Lourenço se encontra alienado num mundo onde existe apenas o estado Ser(pai)-um olho/perna; parece-lhe impossível voltar a encontrar um mundo do Ter, onde uma pessoa pudesse ter perna/olho, sem ser ela mesma a própria perna e olho. De todo modo, quando não revela interesse pelo que está sendo vendido, Lourenço efetua um exercício de subjugar as pessoas desvalorizando o que lhe oferecem para vender, ao passo que exercita seu domínio sobre seus clientes explorando suas necessidades financeiras.
A ligação que Lourenço faz entre a bunda e o cheiro do ralo é a mais interessante do filme - e ele próprio explica! Daria para tratar muitas outras questões aqui porém, teria que escrever um post ainda maior. Fica, então, aqui registrado que a indicação do filme valeu muito à pena e a minha própria recomendação para todos assistirem um ótimo filme, para quem se interessar pelo tema e também por comédias ácidas.
Lourenço é o dono de um antiquário que compra quase todo o tipo de artigos que as pessoas queiram vender. Estas, em comum, antes de se desfazerem de seus objetos, procuram narrar à Lourenço toda a história de seus preciosos itens. Lourenço é indiferente ao valor afetivo que as pessoas atribuem a seus estimados objetos. E o fato das pessoas tentarem lhe vender aquilo que tanto apreciam torna a situação ainda mais dolorosa. Lourenço nunca fica convencido que exista mesmo o valor que as pessoas anunciam. Afinal, se estimam tanto, por quê lhe vendem? "É que estou mesmo precisando...". A expressão de desprezo do anti-herói é cômica e trágica. Lourenço não suporta a atitude corruptível das pessoas, e isso o torna extremamente interessante e complexo. O espectador sempre oscila suas opiniões sobre as atitudes ácidas de Lourenço para com às pessoas e a situação dolorosa que estão passando. Por outro lado, assim como as pessoas que despreza, ele próprio é capaz de atribuir um valor superestimado a certos objetos. Vemos Lourenço comprando um olho de vidro e a prótese de uma perna por uma quantia bastante alta. Portanto, ou Lourenço trata objetos como simples objetos, ou trata os objetos lhes conferindo um valor afetivo ainda mais significativo - do que, por exemplo, às pessoas a quem despreza. Essa discrepância é o que sinaliza a própria estrutura psicótica do personagem. Ao adotar a crença cega (rs) que o olho de vidro comprado de um veterano de guerra é o olho de seu pai, entendemos que o olho - enquanto parte de um corpo - substitui a totalidade desse corpo (corpo de seu pai). O mesmo acontece com a prótese da perna. A idéia de Lourenço é tentar construir o corpo de seu pai e dar-lhe vida - um pai Frankenstein -, e ao confiar na possibilidade de concretizar seu desejo no plano do real (passar ao ato) se reconhece que a certeza de poder reunir novamente as partes do corpo de seu pai, para pode viver junto a ele, é sintoma claro da ruptura característica da loucura. O olho e a perna não são mais partes de um corpo, como foram um dia. Lourenço admite que tanto o olho quanto a perna são o corpo de seu pai. Lourenço se encontra alienado num mundo onde existe apenas o estado Ser(pai)-um olho/perna; parece-lhe impossível voltar a encontrar um mundo do Ter, onde uma pessoa pudesse ter perna/olho, sem ser ela mesma a própria perna e olho. De todo modo, quando não revela interesse pelo que está sendo vendido, Lourenço efetua um exercício de subjugar as pessoas desvalorizando o que lhe oferecem para vender, ao passo que exercita seu domínio sobre seus clientes explorando suas necessidades financeiras.
A ligação que Lourenço faz entre a bunda e o cheiro do ralo é a mais interessante do filme - e ele próprio explica! Daria para tratar muitas outras questões aqui porém, teria que escrever um post ainda maior. Fica, então, aqui registrado que a indicação do filme valeu muito à pena e a minha própria recomendação para todos assistirem um ótimo filme, para quem se interessar pelo tema e também por comédias ácidas.
2 comentários:
Fantástico o filme, já faz um tempinho q vi. Mas quanto ao diagnóstico...kkk...Quando vi, pensei em um traço perverso, mas não fui muito longe na leitura, mas pensei por uma das razões que pensou em psicose. A relação dele com os objetos. Vou pensar sobre psicose, interessante as coisas que vc aponta! Muito bom msm!
Bjs
Milena, o "diagnóstico" foi um tremendo de um palpite arriscado de quem ficou admirado pelo filme. Tudo mudaria com: uma escuta aqui, um delírio aparecendo ali... :) Apesar de que, uma colega que viu também tem essa mesma opinião que eu. Infelizmente, Lourenço não é paciente de nenhum dos três, pois, daria um ótimo estudo de caso a um psicanalista, hã? :) Beijos!
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