domingo, 29 de novembro de 2009

Amor: O Mito, O Embuste e a Psicanálise

Vou contar uma estórinha que não começa com o famoso “Era uma vez...”. É sobre um mito. O mito do nascimento do Amor (Eros) – tal qual descrito por Platão em O Banquete. Quando nasceu Afrodite, os deuses banquetearam e entre eles estava Poros (o Expediente, O Astuto, A Riqueza), filho de Métis. Depois de terem comido, eis que aparece Pênia (A Pobreza) para mendigar, pois tinha sido um grande banquete. Ela não entrou, porque não tinha nenhum presente a oferecer. Aconteceu que Poros, embriagado de néctar, entrou nos jardins de Zeus e, pesado como estava, adormeceu. Pênia, então, pela carência em que se encontrava de tudo o que tem Poros, e cogitando ter um filho seu, dormiu com ele e concebeu Eros. Por causa disso, Eros tornou-se seguidor e ministro de Afrodite, porque foi gerado durante as suas festas natalícias; e também era por natureza amante da beleza, porque Afrodite também era bela.

Foi por intermédio desse encontro que nasceu Amor (Eros), resultado de um masculino passivo (amado), desejável, e um feminino ativo (amante), desejante. Convém explicar o que ocorre entre o amante e o amado. O que é o amante? É aquele que, sentindo que algo lhe falta, mesmo sem saber o que seja, supõe em outro (o amado) algo que o completaria. O amado, por sua vez, sentindo-se escolhido, supõe que tem algo a dar, sem saber bem o quê. Mas, como o amado é também um ser faltante (e falante), algo também lhe falta, como ao amante. Assim, o que ambos têm a dar é um nada, um vazio. E mais: aquilo que o amado supõe ter para dar, não é o que falta ao amante.

O amante não sabe o que lhe falta e o amado não sabe o que tem - um não-saber que é do inconsciente.

Normalmente, as crianças têm a mãe como o primeiro objeto amoroso. Freud descobriu, em sua auto-análise, que, quando criança, teve sentimentos de amor para com sua mãe, e de ciúme em relação ao pai. Toda criança passou por isto, embora o tenha recalcado - o que vai acarretar mais ou menos dificuldades nas escolhas de objeto posteriores. Estas escolhas são mediadas por um modelo, o de um outro. Este é o processo que instaura a estruturação do sujeito. A criança que não teve ainda acesso à linguagem, que tem uma imagem imprecisa de seu próprio corpo, não tem noção do eu e do objeto, não tem sua identidade de verdadeiro sujeito. Seu investimento é auto-erótico. Tudo se passa no registro da necessidade. A estruturação implica em ultrapassar o registro da necessidade para o do desejo. O grito e o choro, inicialmente, expressão de insatisfação e desconforto, tomam-se apelo, demanda de outra coisa. A resposta do outro, sob a forma de olhar de reconhecimento, vai constituir a identidade do sujeito. É o chamado narcisismo (primário), investimento do sujeito em si mesmo, nesta imagem de si mesmo confirmada pelo outro. A esta identificação primordial vão se suceder as identificações imaginárias, ainda exteriores, a ponto de Lacan dizer que "o eu é um outro".

Freud aponta o fato pouco raro de que muitos homens não conseguem desejar a mulher que amam, nem amar a mulher que desejam. É que a mulher amada e respeitada, escolhida segundo um modelo da mãe, torna-se, por isto mesmo, proibida.

Mudando de pau para cacete. Em O Banquete também está escrito: "é impossível a qualquer pessoa dar aquilo que não tem, nem ensinar aquilo que não sabe". O amor é um significante, uma metáfora, uma substituição: É na medida em que a função do amante, na medida em que, ele o sujeito da fala, vem no lugar, substitui a função do objeto amado, que se produz a significação do amor.

Lacan afirma que "amar é querer ser amado". Sendo assim, no mesmo momento em que o amante constitui alguém como amado, transforma-o em seu amante, e vice-versa. Do lado do amante, está a posição ativa, que provoca automaticamente sua reversão em passividade. A metáfora do desejante aponta para a resposta à questão: "o que é desejado? É o desejante no outro".

Mas, o paradoxo do amor ostenta seu lado fraco, um impasse e um problema, na medida em que "o sujeito não pode satisfazer a demanda do Outro se não o rebaixando, fazendo deste Outro o objeto de seu desejo".

Mesmo assim, o amor é privilégio do ser falante. Os animais não amam porque não podem demandar a um outro que produza a metáfora do amor. Por isto, se alguém responde à demanda de amor dando alguma coisa sem metaforizar, não está amando. É um engano, um logro. "Há, no rico, uma grande dificuldade de amar". Porque ele se apressa em responder à demanda, dando o que tem. Para Lacan, "dar o que se tem, isso é a festa, não é o amor". O rico, ao dar, quer se livrar do pedinte. Dar, para o rico, é o mesmo que recusar o amor. A má reputação dos ricos os dificulta de entrar no reino dos céus. Ali só entram os santos, os que, não tendo nada para dar, sendo pobres, podem amar verdadeiramente, estando aí sua riqueza.

E o analista? Este se coloca, inicialmente, na posição de amante, de demandante. Já que decidiu ser analista, este desejo lhe indicou que algo faltava. Faltava ser analista. Falta fundada no desejo de saber sobre o desejo do paciente, do amado. O analista pede, então, que o paciente lhe dê ou fale algo que ele, analista, não sabe o que é. O paciente, por sua vez, supondo que tem algo a dar, a dizer, o seu não saber sobre os sintomas, inverte a situação, passando à amante. Esta gangorra do amante-amado, vai se substituindo. O paciente sabe que tem algo não-sabido, o analista sabe que seu saber é só suposto. Assim, cada um só tem a dar um nada. Isto é a transferência, dar o que não se tem - o verdadeiro amor. Diz Lacan: "Para que o analista possa ter aquilo que falta ao outro, é preciso recusar o saber sobre o paciente. É preciso que ele esteja sob o modo de ter, que ele não seja, ele também, sem tê-lo, que não falte nada para que ele seja tão sem saber quanto seu sujeito". Daí a importância de que o analista não compreenda e não confie na sua compreensão. É bom até duvidar dela. Ele não tem que procurar, mas convém achar, justo onde não compreende e não espera encontrar. Pois, "é somente na medida em que, decerto, ele sabe o que é o desejo, mas não sabe o que esse sujeito, com quem embarcou na aventura analítica, deseja, que ele está em posição de ter em si, deste desejo, o objeto". E se o analista sabe o que é o desejo, sabe-o pela própria experiência de se ter defrontado com a causa do desejo em sua própria análise. Foi um processo de depuração de um desejo mais forte, uma mutação na economia de seu próprio desejo, que o transformou em desejante, habilitado a ocupar o lugar de desejado, lugar de causa do desejo.

Estão dadas assim as condições para que aconteça o verdadeiro amor, no dizer de Lacan: "A cela analítica, mesmo macia, não é nada menos que um leito de amor".

Duas pessoas se encontram, com determinada freqüência, durante meses, durante anos, numa salinha trancada, onde passam horas a sós, falando do que há de mais íntimo, pessoal, secreto, sofrido, magoado, esperançoso, feliz, alegre, todas as fantasias à solta, nenhum risco de julgamento ou censura. Sem falsas promessas, dizem-se coisas que a ninguém mais é dado ouvir, nem aos pais, irmãos, parentes, amigos, namorados, amantes, parceiros, colegas; coisas que, se não fossem ditas ali, nunca mais seriam proferidas pelo resto da vida, e isso, diante de alguém total e incondicionalmente disponível a escutar, sem limites. Então, isto não é o grande e verdadeiro amor? Aquele que dá o que não tem?

Concluindo: "Se o amor é dar o que não se tem, é bem verdade que o sujeito pode esperar que lhe dêem, já que o psicanalista não tem nada mais a lhe dar. Mas, mesmo este nada, ele não o dá - e é melhor assim. É por isto que, este nada, paga- se a ele – e generosamente, de preferência – para mostrar que, se não fosse assim, isto não seria caro".

Editado e adaptado de: Idéias de Lacan - Oscar Cesarotto

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Ron Mueck

Vou publicar aqui as fotos do incrível trabalho Ron Mueck. É um tipo de arte mais contemporânea, ainda carece de maior divulgação. Fiquei admirado com a sensibilidade do artista em reproduzir muito nitidamente as reações de suas esculturas sendo observadas pelas pessoas. Exprimindo variados tipos de emoção, cada uma delas parece estar experimentado uma situação a qual só podemos supor. Eu também só conheci (e por acaso!) esta semana e estou trazendo aqui para o blog esse achado. Senhoras e senhores, eu apresento a vocês, o incomparável: Ron Mueck.

Ron Mueck: (Melbourne, 1958) é um escultor australiano hiperrealista que trabalha na Grã-Bretanha. Este escultor utiliza efeitos especiais cinematográficos para criar obras de arte. São incrivelmente realistas e se não fosse o tamanho de suas esculturas certamente seriam fáceis de serem confundidas com pessoas. (Fonte: Wikipédia)





















segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Sua coluna CAPRICHO de toda semana.


O que querem as mulheres? Foi a pergunta que Freud se fez um dia. Morreu antes de conseguir respondê-la. A resposta foi descoberta há uns dias trás. Um brilhante comediante foi capaz de respondê-la: "tudo". Simples, não? Como toda resposta importante costuma ser. As mulheres querem tudo. Só as mulheres podem falar isso: "tudo!". Mas, ultimamente, esse desejo tem levado às mulheres a um estado de intenso desespero. As mulheres não podem ter tudo. Elas não podiam antes e também não podem ter agora. Então, o que mudou? É que antes elas queriam ter tudo, porém, naquela época de antigamente, eram poucas as coisas que efetivamente poderiam ter: um marido provedor, filhos, um lar e uma vida confortável = vida feliz/ou um adoecer histérico. Agora, as mulheres, a cada dia, querem ter mais coisas: uma carreira profissional de alto nível; uma casa para chamar de "sua" (antes de uma para chamar de "nossa"); encontrar um homem ideal (sem aspas, porque, sim, eu provoco!); ser mãe e também estar sempre perto dos filhos; viajar pelo mundo (peraê... Isso deveria ou não ser antes???); ter dinheiro para as contas estarem sempre pagas no fim do mês; um carro que saiba estacionar sozinho; ter aos 40 o mesmo peso dos 22 anos; e ter uma quantidade exata de bolsas e sapatos para cada combinação de roupa que ela queira montar. Muita coisa, não é? Na verdade, não. Peço desculpas as minhas leitoras por ter feito uma lista resumida dos objetos mais comuns de seus desejos, enumerei quase todos os que me vieram à cabeça. Por outro lado, em qualquer área no mundo, que forme qualquer espécie de analista, este, diante de um projeto que tenha essas pretensões, daria categoricamente, como parecer, a inviabilidade de tal empreitada. E as mulheres com isso? Nada. Os desejos das mulheres não dão a mínima para as análises dos especialistas. Eles estão lá pressionando os mais louváveis esforços de equilíbrio da mulher moderna, e elas tem diariamente sofrido com essa gigantesca quantidade de exigências.

Tudo a respeito deste mundo que conhecemos, é que ele aumentou - e muito - o número de nossas escolhas. E renunciar todas essas inúmeras possibilidades, em detrimento de uma única, que nunca nos dá qualquer garantia mínima de retorno, nos faz sofrer no exato momento em que tomamos uma decisão. E é nesse tipo de mundo que a mulher mais evita viver. Por que o custo para ela é sempre muito alto - maior que para os homens, em comparação. A felicidade das mulheres está diretamente envolvida com a necessidade de flutuar por suas fantasias. Este mundo rápido, dinâmico e infinito de escolhas atrapalha o ritmo feminino. Paradoxalmente, este mundo é resultado da exigência feminina de participar ativa e livremente nos rumos que a sociedade deveria tomar. É um mundo que a mulher ajudou a construir, fundamentalmente, com seus ideais - ainda que ela tenha, tardiamente, se dado conta que era impossível saber que esse era o bicho que ia dar. Nós homens - poucos acostumados a esperar que decidam por nós- ficamos a tentar encontrar uma maneira de viver num mundo onde precisamos aprender uma forma de esperar o tempo necessário para a mulher se ambientar com seu novo papel. Para elas se acostumarem com o dever de assumir escolhas, aceitar renúncias e pouco sofrer com as incertezas. Enquanto nada disso acontece, os homens vão, paulatinamente, explorando seu lado emocional e perdendo sua virulência capilar. Triste de ver...

domingo, 4 de outubro de 2009

Lições aprendidas por aqui num final de semana...


Poema Em Linha Reta


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado,
Para fora da possiblidade do soco;
Eu que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu que verifico que não tenho par nisto neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo,
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu um enxovalho,
Nunca foi senão princípe - todos eles princípes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana,
Quem confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Quem contasse, não uma violência, mas uma covardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó princípes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde há gente no mundo?

Então só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Álvaro de campos (vulgo, Fernando Pessoa) em, "Fernando Pessoa - Obra Poética (1972)".

domingo, 27 de setembro de 2009

A Psicoterapia na TV


Deu no site do CRP 01:

"Psicoterapia na TV

As representações da ficção, podem desencorajar pacientes

Um estudo conduzido por pesquisadores da Iowa State University, revelou que as representações televisivas de atendimentos psicológicos podem criar nos telespectadores idéias equivocadas de como se processa, na prática, a psicoterapia. Consequentemente, isso pode criar uma resistência naqueles que precisam desse tipo de ajuda.

Os pesquisadores descobriram que, ao verem personagens de televisão passarem pelo tratamento, as pessoas saíram com percepções negativas da terapia pela palavra. O estigma é, na maior parte das vezes, resultado da forma esterotipada como pacientes e terapeutas são mostrados pela TV, de acordo com os pesquisadores.

Fonte: Mente e Cérebro"


Não é nem preciso um analista com anos de experiência na clínica. Um bom estudante da área é capaz de formular questões importantes a respeito desse assunto. E em verdade, elas existem aos montes quando tratamos este tema. No meu modo de ver, muitas pessoas deixam de ver que existem também aspectos positivos sobre a pisocterapia apresentada na tv. Não, não é que elas não possam constatar, como eu, que existem acertos. Muitas vezes até, estas pessoas reconhecem os mesmos tais acertos quando os encontram. Mas, invariavelmente, terminam por cair em avaliações econômicas, numa relação de custo/benefício, da mensagem sobre psicoterapia que é transmitida para a sociedade pela tv. E isso é ruim? Não sei... Talvez não. É importante esta preocupação sobre o que está em jogo nesses casos. Mas, poucas vezes encontro alguém que conte sua própria impressão, para além de ocupar um lugar de especialista numa análise crítica. É por isso que escrevo aqui este post. Para além do que exista de certo ou errado em: Head Case, InTreatment, Web Therapy. The Sopranos e etc, vou contar minha impressão num desses exemplos. Foi sobre o primeiro episódio da nova temporada de House.

Primeiramente, tenho que dizer que minha impressão foi boa. E não foi exatamente sobre o episódio. Como disse anteriormente, não estou aqui avaliando criticamente as implicações sobre psicoterapia na tv. Nem, tampouco, de qualquer outro lugar que possa ser feito por um especialista. Foi boa, por que reconheci na tv aquilo que é particular e que reverbera em mim. Vi a tentativa de apresentar uma possibilidade de transformação, ora imposta, ora, em certo momento, desejada pelo personagem. Vi o médico (psicoterapeuta) tendo um papel fundamental nesse ponto. E vi também os efeitos derivados dela. São essas possibilidades que ocorrem nessa relação, que não necessariamente são compreensíveis para o sentido que o paciente sempre tenta encontrar, mas que ocorrem, e levam o sujeito a falar de seus conflitos. Levou tempo - e quem acompanha sabe o quanto - mas, o House enfrentou uma parte deles nesse episódio. Foi só mais uma mentirinha que foi (bem) feita e contada na tv, ainda que eu tenha encontrado uma razão para admirar - e vir aqui postar - o que, infelizmente, para os outros é somente motivo de polêmica.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A Teu, ao meu, ao nosso gosto!


Está é uma série bastante interessante para quem ainda se entusiasma com pessoas debatendo questões importantes (que atormentam nossas almas, como diria um amigo!) e tratando tudo com inteligência, sarcasmo e diversão. A série é apresentada pelo neurologista, dramaturgo (e também ateu!) Jonathan Miller. Ele entrevistou seis expoentes de diversos campos. Os nomes mais conhecidos são do autor Richard Dawkins e do dramaturgo Arthur Miller. Mas, todos debatem suas visões pessoais e oferecem análises esclarecedoras do ateísmo. Tem umas entrevistas que são realmente enfadonhas (eu achei a do físico, por exemplo). Mas, eu adorei muito a primeira, com o filósofo, o Colin McGinn. Eles abordam especialmente na maior parte dos debates: a questão da religião nas sociedades, o repúdio que os religiosos sentem em relação aos ateus e a necessidade das pessoas acreditarem em uma divindade. O meu parâmetro para avaliar positivamente a série foi, também, ter assistido com pessoas religiosas, que ficaram admiradas da forma com que o tema foi tratado. Faço outra recomendação para àqueles que curtem assistir os bons documentários produzidos pela BBC.

domingo, 9 de agosto de 2009

Eu poderia casar com aquela bunda...

Graças à presteza da velox, eu pude rapidamente resolver o problema da conexão e restabelecer minha internet no tempo recorde de 3 semanas(sic). No intuito de aproveitar melhor esse tempo, procurei indicações de todo tipo: leitura, música, bares, filmes... Faz tempo que haviam me falado do badalado O Cheiro do Ralo, e depois de uma nova investida para que eu assistisse, por fim, resolvi ir catar o tal filme na locadora. Eu assisti ótimos filmes que trataram a questão das psicoses. Forrest Gump, é um bom exemplo. Feito no Brasil, assisti o acurado e bem produzido Estamira, e fiquei realmente impressionado. Mas, nenhum outro filme tratou com tanto requinte e clareza (até mesmo didática!) a psicose como O Cheiro do Ralo.

Lourenço é o dono de um antiquário que compra quase todo o tipo de artigos que as pessoas queiram vender. Estas, em comum, antes de se desfazerem de seus objetos, procuram narrar à Lourenço toda a história de seus preciosos itens. Lourenço é indiferente ao valor afetivo que as pessoas atribuem a seus estimados objetos. E o fato das pessoas tentarem lhe vender aquilo que tanto apreciam torna a situação ainda mais dolorosa. Lourenço nunca fica convencido que exista mesmo o valor que as pessoas anunciam. Afinal, se estimam tanto, por quê lhe vendem? "É que estou mesmo precisando...". A expressão de desprezo do anti-herói é cômica e trágica. Lourenço não suporta a atitude corruptível das pessoas, e isso o torna extremamente interessante e complexo. O espectador sempre oscila suas opiniões sobre as atitudes ácidas de Lourenço para com às pessoas e a situação dolorosa que estão passando. Por outro lado, assim como as pessoas que despreza, ele próprio é capaz de atribuir um valor superestimado a certos objetos. Vemos Lourenço comprando um olho de vidro e a prótese de uma perna por uma quantia bastante alta. Portanto, ou Lourenço trata objetos como simples objetos, ou trata os objetos lhes conferindo um valor afetivo ainda mais significativo - do que, por exemplo, às pessoas a quem despreza. Essa discrepância é o que sinaliza a própria estrutura psicótica do personagem. Ao adotar a crença cega (rs) que o olho de vidro comprado de um veterano de guerra é o olho de seu pai, entendemos que o olho - enquanto parte de um corpo - substitui a totalidade desse corpo (corpo de seu pai). O mesmo acontece com a prótese da perna. A idéia de Lourenço é tentar construir o corpo de seu pai e dar-lhe vida - um pai Frankenstein -, e ao confiar na possibilidade de concretizar seu desejo no plano do real (passar ao ato) se reconhece que a certeza de poder reunir novamente as partes do corpo de seu pai, para pode viver junto a ele, é sintoma claro da ruptura característica da loucura. O olho e a perna não são mais partes de um corpo, como foram um dia. Lourenço admite que tanto o olho quanto a perna são o corpo de seu pai. Lourenço se encontra alienado num mundo onde existe apenas o estado Ser(pai)-um olho/perna; parece-lhe impossível voltar a encontrar um mundo do Ter, onde uma pessoa pudesse ter perna/olho, sem ser ela mesma a própria perna e olho. De todo modo, quando não revela interesse pelo que está sendo vendido, Lourenço efetua um exercício de subjugar as pessoas desvalorizando o que lhe oferecem para vender, ao passo que exercita seu domínio sobre seus clientes explorando suas necessidades financeiras.

A ligação que Lourenço faz entre a bunda e o cheiro do ralo é a mais interessante do filme - e ele próprio explica! Daria para tratar muitas outras questões aqui porém, teria que escrever um post ainda maior. Fica, então, aqui registrado que a indicação do filme valeu muito à pena e a minha própria recomendação para todos assistirem um ótimo filme, para quem se interessar pelo tema e também por comédias ácidas.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

We are carnaval!


Sexta à noite em Salvador. É o momento das almas de expressões alegres e corações vazios saírem às ruas. Olhe em volta: Os restaurantes lotados; os bares entupidos; E as boates que prometem não revelar os segredinhos tórridos de quem espera na fila. Todos riem cercados de amigos. Todos que conheço são amigos. Salvador é um Paraíso! Enquanto ando, ouço às pessoas dizerem: "Aqui vai bombar!"; "Não tô precisando de homem!"; "Olha aquele rabo."; "Vou vomitar..."; "Que cara chato..."; "Que delícia!"; "Tô cansada, vou para casa."; "Embora? Só quando varrerem!". "Ele é sexy."; "Você é brother."; "Te amo, amiga!"; "Pra que fui sair...". Em todos os locais na noite de Salvador é assim... Pessoas que vão tentar exibir o melhor. Pessoas que vão tentar esconder o pior. Todas elas procuram um happy end. Alguns acreditam que possam encontrar em um par romântico, outros em ter sucesso em levar para cama. Outros nem acreditam mas, estão lá mesmo assim... Temem perder a oportunidade ficando em casa. E quem a quer perder nesse mundo? Orkut, MSN, Facebook, Twitter. "Por favor, não me deixem de fora! Me contem tudo! Onde é que você está?". Não é desespero... É alegria! Salvador... Terra de festa o ano inteiro. De manhã ela se queixa. De noite... Ela te queixa! Não pareça necessitado ligando no dia seguinte... Espere uns dias, pelo menos... Cumpra o protocolo. "Você faz o que? Trabalha onde? Mora em que lugar?". Agora você me "conhece"... Já sabe quem sou. Salvador... Terra da fantasia. E da fantasia de carnaval o ano inteiro! Por que ser você mesmo se a festa é a(à) fantasia? Quanto mais você a veste, mais caro você parece! E todos querem parecer melhor em Salvador. Todos querem te conhecer aqui. Mas, por favor, não tire a fantasia... Por favor, não a tire...

segunda-feira, 15 de junho de 2009

New WAR - Nukes


Este senhor pode vir futuramente a nos apresentar um temor conhecido apenas em livros de história e filmes. Este é um fantoche de Kim Jong iI, retratando comicamente sua aparência bem peculiar. Porém, suas atitudes não prometem ser motivo de alegria. Kim Jong-iI é o líder (ditador) máximo da República Popular Democrática(?) da Coréia do Norte. Além disso, é também presidente da Comissão Nacional de Defesa, um orgão que recebe 1/3 do PIB nacional para armamento militar (40 bilhões de dólares). A Coréia do Norte detém o terceiro maior exército do mundo - estima-se mais de um milhão de soldados. Ele tem planos de conquistar o respeito das demais potências utilizando à força, se preciso. E tem dado provas de que deve mesmo ser levado à sério: Em abril realizou um teste nuclear com uma bomba de impacto semelhante ao poder atômico da bomba de Hiroshima; Lançou também mísseis "para teste" no Mar do Japão; Lançou um míssil que poderia acertar a América do Norte - ainda que sua posição oficial foi que se tratava apenas de um míssil de satélite; Recusou-se a aceitar a proposta de desarmamento nuclear que vem sendo tratada por grandes países; Rompeu o armistício com a Coréia do Sul; e, por fim, afirmou que qualquer tentativa de interceptação de seus navios para inspeção sobre armas nucleares ou formas de bloqueios econômicos serão consideradas como uma declaração de guerra. De tudo que eu pude ler a respeito, não existe, nesse momento, qualquer estratégia diplomática para entrar em acordo com Kim Jong. Há tempos que os EUA vem subornando a Coréia do Norte com petróleo e alimentos em troca de um acordo de não proliferação nuclear - acordo não cumprido pela Coréia. Agora, Kim Jong ficou ganacioso e quer muito mais (numa atitude surpreendente para um chantagista!). Ele promete não recuar enquanto seus termos não forem atendidos. E uma guerra com armas nucleares pode estar próxima...
Eu sempre achei que a bomba americana lançada em Hiroshima e Nagasaki fosse uma atitude estúpida e irracional. Eu procuro continuar sustentando esta posição mas, tenho muitas dúvidas. Foi a conta de que uma análise humanitária de ações militares ocorre, normalmente, em ambientes seguros e numa época em que a guerra só acontece distante dos muros de nossas casas. Kim Jong pode mesmo levar a cabo seus planos de ataque militar (e mesmo nuclear) contra outros países, portanto, questiono: diante de um ataque nuclear realizado pela Coréia, será que a humanidade ficaria contrária à uma resposta militar frente à ofensiva nuclear norte coreana? Será que a nossa ética irá permitir que a morte de milhares de pessoas num ataque nuclear fique em vão e não deva ser combatida com a mesma intensidade, se preciso? Ou será ainda que este pensamento apenas vem confirmar que a natureza humana anseia pelo confronto ainda que disfarçada por argumentos morais? Ainda que estas respostas não passem apenas de um mero exercício de reflexão - por que não serei eu o responsável por tomar uma decisão visando dissolver esta questão -, temo apenas pela ameaça que este conflito realmente representa: uma guerra que não ocorre em fronteiras, nem entre exércitos. Mas, entre longas distâncias, no interior de cidades e matando milhares de pessoas instantâneamente. Espero que a nossa geração não tenha que atravessar período tão tenebroso.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Sim, senhora!


O fim de uma Era está para acontecer. O mundo machista que conhecíamos está bem perto do fim. A última fronteira entre homens e mulheres será derrubada. É, meus amigos, acreditem ou não, as mulheres estão produzindo seus próprios filmes pornôs! Tolos foram àqueles que pensaram que às mulheres não executariam seu plano bem elaborado de dominar o mundo. Elas não querem ter direitos iguais... Elas querem os NOSSOS direitos. Não estão nos deixando NADA... Não está sobrando pedra sobre pedra. As características comprovadamente masculinas estão agora usando absorvente e devorando chocolates.
Esta última conquista feminina realmente impressiona. Num universo sustentado pelas vontades sexuais masculinas, elas deixam de lado o papel de atriz e assumem o controle na direção dos filmes - o que representa satisfazer às exigências de um público predominantemente masculino (pelo menos, em sua maioria); e tem, ainda, planos audaciosos para um novo mercado: esperam lançar, exclusivamente, filmes que tenham a proposta de atender às necessidades do imaginário feminino. A foto acima é da cineasta sueca Erika Lust, formada em Ciências Políticas e Feminismo, em Lund, na Suécia (pesquisa feita no seu site), que tem suas próprias idéias para construir esse novo mercado. Ela pretende investir em estórias românticas e apostar na relação entre os atores - além, é claro, de exibir mulheres tendo orgasmo (sem fingimento!).
É surpreendente constatar esse momento, ainda que isso aconteça com certo assombro quanto aos fatos. Apesar de toda brincadeira, é um enorme avanço ver as mulheres exibindo sua sexualidade, de forma marcante e em um contexto que até pouco tempo era tabu em seu próprio universo. O meu espanto é reservado apenas aos homens, que pouco tem explorado a oportunidade de entrar em contato com esse mundo e conhecer a intimidade feminina. O que se pode conhecer conversando com uma mulher - o que as encantam, as divertem e as excitam - é infinitamente maior do que (pelo menos) há 10 anos atrás. Ainda sim, os homens continuam previsíveis e as mulheres têm demonstrado pouco interesse por sua companhia. Eu vou procurar assistir esses filmes e (claro!) comentar aqui no blog. Agora, os homens têm um motivo válido para convencer às mulheres a assistirem um filme pornô!

terça-feira, 28 de abril de 2009



A crença das pessoas sobre o inexplicável é uma característica surpreendente e também estranha. É incrível como toma a forma de uma convicção capaz de sobrepor-se mesmo diante da explícita contradição. E quando crenças opostas se encontram formando uma única crença central, fica ainda mais esquisito. Tomemos como exemplo: Deus: um ser (ou Força) supremo do universo; Sorte/Azar: um acontecimento qualquer que ocorre contrário à(s) sua(s) outra(s) probabilidade(s) ou vontade individual; Destino: o caminho pré-determinado na vida de todo homem. As pessoas utilizam todos estes conceitos reunidos, como se fizessem parte de sua única crença, ainda que eles se excluam por ordem de incongruência. Num mesmo dia, e em diferentes situações. Vamos observar: se você afirma que teve sorte (ou azar) em determinada ocasião, você considera a conclusão do evento como lhe sendo desconhecida e improvável. Isso é, em teoria, contrariar qualquer crença em Deus que você assumir (vou considerar o Deus católico para exemplo. Mas, qualquer um deles é admissível). Por que Deus é ONISCIENTE. Portanto, nada acontece sem a sua vontade, sem o seu conhecimento. Então, por que chamar de sorte/azar um incidente ocorrido ao acaso se o que lhe aconteceu ocorreu por vontade Dele? Bem, também não pode ser chamado de Destino. Por que, você não tem sorte ou azar quando o que vai lhe acontecer está previamente definido. Tinha que acontecer. Apenas você não sabia. Mesmo um "destino que vai sendo escrito" está, na verdade, considerando que podem ocorrer diferentes possibilidade para um mesmo evento. Uma característica que é típica de "sorte ou azar". Se são sinônimos não convém ficar chamando uma coisa por outra. É preciso apenas um único conceito. Logo, um deles está sendo naturalmente excluído, o que retoma a questão inicial de se orientar por uma única crença. Vamos à próxima sentença; Você pode chamar de destino os acontecimentos que ocorrem na sua vida. Mas isso é também renegar sua crença em Deus. As pessoas receberam Dele o dom do livre arbítrio. Então, são livres para tomar suas decisões - boas ou ruins. No Destino o que acontece com você não é fruto, naquele momento, de sua decisão. É a ocorrência daquilo que deveria lhe acontecer naquele momento ainda que pareça uma decisão sua. Isso contrária o conceito de dom do livre arbítrio e, por consequência, a própria crença em Deus. Como o de destino e sorte/azar foi anteriormente explicado, nada restaria acrescentar nessa popular contradição humana. Porém, o mais estranho é que a própria crença em Deus é contraditória. Como, diabos (não resisti ao trocadilho!), Deus pode saber de tudo e presentear as pessoas com o livre arbítrio? Como ele pode saber daquilo que eu ainda não escolhi fazer? Os ensinamentos sobre Deus são repletos dessas contradições que os religiosos se esquivam em concluir. Particularmente, a fé em um Deus, e em qualquer circunstância, é uma coisa penosa. Mesmo que você reconstrua um Deus seu, próprio, ainda é estranho. Por que você não fez sua descoberta sobre Deus em uma experiência sagrada entre você e o Divino. Você acreditou em Deus por que assim lhe foi ensinado! Então, quando tudo que você sabe sobre a existência de Deus vem de uma estória completamente contraditória - e Deus sempre permanece oculto para aumentar as suspeitas -, reconstruir um Deus próprio nada mais é do que fabricar sua própria versão mal contada da mesma estória. Ainda que eu tenha em boa conta as pessoas que se orientam por qualquer tipo de crença, tenho a certeza de que elas se afastam em tentar entender esse assunto. Morando em "São Salvador, neguinho!", é ainda mais impressionante. Elas adotam o culto ao Catolicismo, ao Candomblé e ao Espiritismo em uma única semana! Dia de ir no centro, dia de fazer os trabalhos, dia de ir no Bonfim... Eu nunca li sobre nenhum exú sendo citado no livro de Alan Kardek, nem li na bíblia sobre Deus encontrar com Oxalá na cúpula dos "deuses mais economicamente desenvolvidos no mundo", nem nada parecido... E ainda sim mantenho minha simpatia pelas pessoas. Por que mesmo sendo contraditório, equívoco ou hipócrita, ainda é algo totalmente humano! Não somos deuses, nem animais... mas o resultado desse meio termo. Não seremos melhores do que isso. E essa consciência me permite uma enorme diversão com as pessoas, convivendo e azucrinando suas esquisitices, sem o esforço de convencê-las de nada, em absoluto. Pode ser isso, ou pode ser que, como disse o dr. Dráuzio Varela, eu seja "um completo imoral". E aí, na verdade eu não me importe. Ainda sim considero, para mim, de bom tamanho... Vou considerar problema somente quando virar o criminoso!

segunda-feira, 27 de abril de 2009

The Reader (O Leitor)


Vergonha. O sentimento pós-guerra do povo alemão ao regime nazista, que foi responsável pela perseguição e massacre de 6 milhões de pessoas. Como explicar que o apóio ao Holocausto foi uma decisão que em certo momento pareceu correta? A Alemanha viveu atormentada por um período de questionamentos frente sua decisão de consentir cegamente com o regime nazista que enviava milhares de pessoas à morte nos assombrosos campos de concentração. Passado esse período, existe uma clara tentativa de rapidamente levar aos tribunais os responsáveis, para recuperar a honra de um país que precisa provar às pessoas que essas atrocidades não serão repetidas no futuro e que o orgulho nacional será resgatado através de caminhos morais e mais humanos. É possível que uma pessoa suporte amar outra depois de ter sido inexplicavelmente abandonada e ainda descobrir anos mais tarde que a pessoa que amou é acusada da morte de 300 inocentes? É possível para alguém viver num país manchado pela vergonha de seus atos políticos e amar a pessoa que representa o passado abominável de toda esta estória? O abandono e as falhas morais podem ser vencidas pelo amor de outrora, ainda que esse amor nunca tenha sido apagado? Sim. Para todas as perguntas a mesma resposta: sim! É triste dizer que sim... e também seria dizer não. O motivo, tratado no filme, para este amor permanecer vivo e aprisionado mesmo diante destas tristes revelações é algo que escapa, às vezes nem é mesmo notado, mas que surpreende por se confundir com a própria tragédia cometida pelo povo alemão no Holocausto: uma omissão equívoca que provoca atos que não podem mais ser mudados e disso resulta uma insuportável vergonha. É uma amarga ironia - ainda que elegante - assistir o amor de um casal ser navegado por sentimentos "menos nobres", sendo que o sentimento que norteia esta relação se confunde com o próprio sentimento que o povo alemão experimenta na mesma época. É impressionante você construir um romance com essas condições e é exatamente o que ocorre nesta estória de amor: que não se mantém viva pela beleza tipicamente conhecida dessas estórias, mas, sim, pela incômoda vergonha decorrente da imaturidade (em diferentes sentidos) entre duas pessoas que em certo momento são colocadas em lados opostos da história política alemã e do regime nazista na segunda guerra.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Wake up!
























Era domingo. Eu zapeava a tv enquanto pensava no por quê do meu fígado ter me abandonado completamente no sábado noite. Em verdade, eu sabia o motivo. E era isso o que estava me preocupando. Ele certamente não iria voltar - e eu estaria só de agora em diante. Nesse momento encontrei o Manhattan Connection ainda no começo. Este é o único noticiário que me dá um certo prazer em assistir. Foi quando eles apresentaram a exposição de Ruud Van Empel com sua série de imagens cheias de cores e com crianças. Suas obras parecem oníricas e tem um forte apelo visual. Escolhi esta entre outras igualmente interessantes. Pode-se conferir o ensaio completo nesse link: http://www.stuxgallery.com/site/www/artist_gallery/26/369

Music is power (Yeah)

Bem como a maioria das pessoas eu também tenho uma especial ligação com a música. Ela esteve presente em muitos momentos importantes da vida. Serviu-me para entender os acontecimentos que ocorriam comigo quando eu mal era capaz de saber o porque de estar envolvido com certas situações ou pessoas. Novamente: bem como acontece com a maioria das pessoas! Eu sei. É a pura verdade. É assim com quase todo mundo. O que acontece é que eu sempre fiquei inquieto com minhas próprias dúvidas musicais. Eu nunca entendi por que de repente era tomado por uma forte emoção ao ouvir uma música pela primeira vez. Ou, ainda, por que certas músicas captavam melhor meu momento do que outras. Bem como, o que define o gosto musical de uma pessoa. Está última, me fez, inclusive, criar uma boa quantidade de inimizades, mesmo depois de haver desistido encontrar uma resposta para esta questão. Eu tenho um amigo que ainda ataca os incautos sobre suas preferências musicais, ao passo que diminui minhas chances de expandir meu círculo social. Contudo, tudo mudou nesse domingo, quando velhos fantasmas (da ópera, certamente!) vieram novamente me assombrar. Eis que sou novamente convocado a retomar esta antiga questão. Voltei a ficar disposto para encontrar uma resposta. Para encerrar este assunto de uma vez. Sim, eu precisava encontrar... Pois bem, procurando informações sobre o tema descobri que Freud passou pela mesma angústia a propósito da música: "luta em mim contra a emoção quando não consigo saber por que estou emocionado, nem o que me comove". Estranho saber disso... Até onde sei, Freud se mostrava interessado apenas por pinturas e literatura, mas, afastava à música de suas especulações. Parece que pela impossibilidade de compreender seus efeitos através da análise racional. Pesquisador acurado, Freud sempre insistiu em descobrir o sentido e o conteúdo do que uma obra supostamente representava. Mas, será possível falarmos de representação, na música, nas mesmas condições que na pintura ou na literatura? Vejamos: a forma de acaso, que é própria da música, como, sua duração, seu tempo de desdobramento, suas variações, podem fazer com que ocorram mudanças em diversas etapas da composição. Como resultado, a música permite a possibilidade de variações aleatórias no transcorrer de sua duração. O que equivale dizer que, essa aleatoriedade da música (que praticamente não ocorre no Axé e no Reggae, por exemplo) provoca encanto ou resistência no compositor e também no ouvinte (tudo explicado!) - e que tem em seu efeito o poder da música de emocionar. Até aqui tudo bem. Então, retomando: sabemos agora do duplo poder que a música tem; o de tornar manifesta a esfera dos sentimentos, permitindo-a, por conseguinte, a uma possível tradução na linguagem (interpretação); e revelar um fundo primitivo de onde estes sentimentos provêm. "O que a língua musical pode exprimir", escreveu Richard Wagner, "é feito unicamente de sentimentos e impressões: ela exprime, sobretudo, numa plenitude absoluta, o conteúdo sentimental da língua puramente humana, desligada de nossa língua verbal, que se tornou um simples órgão do entendimento”. Temos aqui um ponto importante para tratar, por que algo escapa à composição musical. Aquilo que sequer levamos em consideração e que ultrapassa a intenção do compositor na criação da música. É exatamente isso que escapa à representação: o registro da voz. Da mesma forma, ocorre uma ação semelhante entre o olhar dos pais sobre o filho, que resulta num processo inconsciente que permite ao sujeito constituir-se, ainda pequeno, a partir da imagem que os pais constroem, em voz alta, como sendo sua tal identidade. Lacan considera que a voz mantém com o corpo uma relação de separação (a voz da mãe que some quando ela se afasta) e, em virtude disso, participa do processo de desenvolvimento do indivíduo. O importante, então, sobre a música não repousa sobre a possibilidade de interpretação individual. Mas, seu impacto, por conta de sua propriedade. Na medida em que ela obedece à condição de evocar no sujeito sentimentos análogos entre a música e a relação de presença/ausência com a voz de seus pais. Ela (música), além de tudo, tem o poder de relacionar a influência crítica dos pais, também transmitida aqui pela voz, na formação da consciência moral do sujeito, o que sugere que as características musicais captam essa essência da identidade, muito além de uma interpretação produzida na linguagem verbal. A consciência moral é a instância que estabelece as regras que foram transmitidas para cada indivíduo. Ela faz ligação entre aquilo que está pré-estabelecido no mundo e a conduta ética individual. Portanto, se a música participa de uma recriação do mundo que permite o sujeito reconstruir um material em que realiza suas fantasias além das regras, vencendo sua própria condição existencial falha – além de fazê-lo experimentar a satisfação outrora encontrada na infância pelo sonoro das vozes parentais –, é realmente porque gera um modo de comunicação diferente do que é gerado pela linguagem. Se a música é capaz de realizar todo esse processo é por que ela decorre de um sentimento nostálgico fundamental aprisionado no desejo: a perda da excelência de amor. Pode-se entender como sendo uma condição necessária para o amadurecimento individual. Todavia, o desejo nunca chega a se resolver totalmente no investimento do objeto que busca conquistar inteiramente. Em resumo: a música aponta para os vestígios de uma satisfação para sempre desaparecida, ao passo que se manifesta também na própria insatisfação que renova o desejo. Além da insatisfação existencial, que incita o artista a acender para a criação efetiva, a música remete a essa satisfação impossível de enunciar e explicar, uma satisfação anterior à lembrança do que ela representa, e cuja natureza explicaria sua dificuldade de se deixar transcrever na linguagem. A música expõe, assim, o paradoxo de gerar a comunicação aquém das palavras e na saudade comum de uma satisfação definitivamente perdida, posteriormente sendo relacionada com o modelo materno. De acordo com o psicanalista A. Didier-Weill, existem quatro tempos lógicos da relação musical. Mas, primeiro uma pergunta: o amante da música ouve como sujeito ou como Outro (para quem a música foi supostamente composta)? O primeiro tempo situaria o ouvinte no lugar do Outro-ouvinte, que receberia do músico uma espécie de resposta para sua própria questão, e até então mantida inconsciente. Quando desprovida de angústia - como mostra o evidente prazer da escuta musical - a resposta do músico repousaria no trabalho de transcender aquilo que lhe impede de realizar o que deseja, um trabalho que tem em si a capacidade de introduzir o Outro-ouvinte no mesmo confronto que evocou no músico a necessidade de dar vida à música. O encontro do Outro-ouvinte e do músico se efetuaria, então, com base num acordo inconsciente, como se eles só pudessem encontrar-se ao comemorar, no reconhecimento de que, tanto um quanto o outro, não poderão resolver nem seus próprios conflitos nem resolverem um do outro. (Reconhece-se aí a definição lacaniana do amor: dar o que não se tem.) O segundo tempo da relação musical, portanto, vê o Outro-ouvinte colocar-se numa posição ativa como de um músico, por ter recuperado sua questão e enunciado a impossibilidade de dissolvê-la (no primeiro tempo é o músico se encontra nessa posição). O terceiro tempo permitiria ao Outro-ouvinte (assumindo aqui o papel do músico), por conseguinte, identificar-se com o artista como o Outro que representa um amor transferencial, por que estabelece uma relação de dirigir esse amor para uma identidade imaginária que não pode retribuir como é preciso. O impacto dessa realidade no Outro-ouvinte é a de realizar a improvável ligação entre a Fala do mundo que lhe fala torna-se, ao mesmo tempo, sua própria fala. Por fim, o quarto tempo seria a introdução de uma explosão temporal, aquela que, ao mesmo tempo, surpreende o ouvinte e arremata seu prazer. O prazer musical conduz pelos vestígios de uma satisfação arcaica, por ele deixar advir no ouvinte a surpresa da questão que toca no mal-estar fundamental de todo ser, num nível inconsciente. E o fato de a música ressoar no vazio íntimo do sujeito, transpondo sua dúvida como resposta, significa que o Outro-ouvinte, profundamente interpelado pelo que desencadeia nele uma espécie de auto-reconhecimento, assume uma participação ativa e incessante no trabalho criativo do músico, leva-o adiante, por assim dizer, em seus efeitos de resolução. Lacan diz: "Uma fala que produz ato e que faz com que um dos sujeitos se descubra, depois, diferente do que era antes”. Ainda melhor no comentário de Boris de Schlozer "O que caracteriza essencialmente o artista (...) é a produção de uma coisa cuja geração, cujo próprio processo de geração, modifica seu autor, permitindo-lhe transcender-se, ser, ao mesmo tempo, plenamente ele mesmo e um outro." A atividade criadora consistiria, sempre segundo esse autor, "não unicamente em gerar um sistema orgânico, mas ainda em produzir conjuntamente o próprio autor desse sistema, o que nele se acha imediatamente presente”. Eu encerro com um trecho citado por um artista que admiro e em que ele exemplifica o que foi dito acima:


"Essa é uma pequena estória. Eu gosto de chamar "A maldição". A música "Alive (Vivo)", que está em nosso primeiro disco. Foi realmente transformada através dos anos. E, não é muito por como nós a tocamos ou pelo arranjo. Mas sim, pela interpretação. Então, a estória original que foi contada na música é a de um jovem sendo confrontado com algumas verdades chocantes. Uma é que, o cara que ele acreditava ser seu pai enquanto crescia... Não era. E a dura verdade número dois foi que, o verdadeiro pai morreu poucos anos antes. Então, quando a mãe soltou esta informação da morte do pai verdadeiro, isso mostrou que o garoto não estava terrivelmente instável naquele momento de seu desenvolvimento bastante confuso. Eu sei disso porque eu conheci o cara. Não bem... Mas, conheço ele. Quer dizer, o cara era eu. Mas, eu mal me conhecia naquele tempo. E então, ele toma todas essas notícias como uma maldição. Bom, você me conta esses segredos, eu supostamente devo perdoar... Mas, eu tenho que arranjar uma maneira, você sabe, de viver com isso. E encontra o pai morto, mas eu continuo vivo e tenho que lidar com isso. Então, foi uma maldição, você sabe, "Eu continuo vivo (I'm still alive)". Então, alguns anos depois estávamos tocando para platéias maiores. E elas estavam respondendo a esse refrão de uma maneira que você nunca imaginou. O povo pulando nos alambrados, usando seus corpos para se expressarem, e gritando, cantando junto "Eu continuo vivo" em massa. Então, toda noite eu olhava para isso e via as pessoas reagindo com suas próprias interpretações positivas. É realmente incrível. A platéia muda o sentido destas palavras e... Quando eles cantam "Eu continuo vivo", é como se estivessem celebrando. E... O negócio é que... Quando eles mudam o significado daquelas palavras... Eles acabam com a maldição." (Eddie Vedder, Pearl Jam - Storytellers, 2006).

Notas: Post escrito por mim e adaptado a partir de um texto original (abaixo). Tais como as idéias de Lacan, para melhorar sua compreensão.
Texto: KAUFMANN, Pierre. Dicionário enciclopédico de psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

A Garota que brigou com seu Coração (Contos)

Play. Ela apertou o botão do som de seu quarto. Escolheu o melhor de sua coleção de discos. Aquele era um dia perfeito para ouvir seus preferidos: Damien Rice, Costello e também o veho Dylan. Enquanto a música tocava no seu quarto, ela ia para janela fechar a cortina. O tempo em Salvador, a cidade do axé e do sol o ano inteiro, estava cinzento e embaixo de muita chuva. Enquanto acompanhava os pingos d`água escorrendo pela sua janela, ela se deu conta que o tempo só não estava pior lá fora do que dentro dela. Fechou a cortina enquanto fechava seus próprios olhos. Procurou pelo seu travesseiro e afundou seu rosto inteiro dentro dele. Só conseguia pensar como ele tinha fodido com tudo. Tentava achar uma explicação para se convencer de que tudo aquilo poderia ter sido evitado. Não podia. Ela, então, fez o que qualquer pessoa sensata faria. Ela amaldiçoou o mundo. Bem no momento em que o sábio Costello cantava "Alison, I know this world is killin you". O idiota partiu o coração dela de verdade. Ele não foi primeiro, pois muitos outros haviam feito o mesmo antes dele. A pior coisa é que ela sabia que a sensação de vazio iria voltar outra vez. Esse buraco só aumentava cada vez que ela se dava uma nova chance. Ela virou seu rosto para buscar mais ar e deu de cara com as fotografias em sua parede. Todos os lugares, todos os momentos, todas as palavras ditas na hora certa. Ela não iria viver mais nada daquilo com ele. Ela queria ficar mais tempo juntos, mas estava difícil deixar de se importar com aquelas palavras duras sobre ela. O telefone tocava sem parar, todas as suas amigas estavam ligando preocupadas. Elas queriam ajudar, mas não podiam. O velho Dylan estava arranhando seus dedos nas cordas do violão com as notas mais tristes e sua voz melancólica. Ela estaria sozinha de agora em diante. Nada de mãos dadas pelas ruas de cidade, nem mais sua cabeça sobre o ombro dele no religioso cinema de domingo. Toda aquela merda clichê que quem está sozinho desdenha era seu paraíso aqui na terra. Nada de encher a cara, enquanto sentia as mãos em suas coxas e nem daquele sexo no chão que terminava na cama, que a fazia gozar de tremer as pernas. Não tinha mais nada que ela pudesse fazer. Ela só pensava em retroceder sua vida para saber onde foi que tudo começou se perder. Não dava mais para corrigir. Estava na hora de fazer aquilo: tirar as fotos da parede, guardar os bilhetes deixados escondidos, esconder os malditos bichos de pelúcia - menos aquele do dia dos namorados. Esse poderia ficar mais um pouquinho antes de ir. Ela sabia que essa dor nunca iria passar - ainda seria aguda por mais uns dias. Ela só não queria admitir a triste verdade: olhar a porra do mundo sem o colorido que pintou. Mas, terminou. O idiota partiu o coração da garota.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Os Filhos de Sarah Connor*

Todos sabem que o número de casais divorciados vem aumentando em comparação a realidade de 20 anos atrás. Não é só isso: dá para acreditar que atualmente exista uma divisão bem equilibrada entre os traumáticos casais divorciados e os de união sacramentada por um entre os inúmeros e supostos criadores do universo. Todo aquele papo de criar filhos com papai e mamãe, com valores familiares, foi assim que Deus ensinou, blá, blá, blá... Tudo isso, no fim... Foi uma mentira ruim de ser descoberta! Não, não... Eu não ligo a mínima para as malditas convenções que obrigavam as pessoas permanecerem unidas, a ponto de começarem uma guerra infeliz e sangrenta "até que a morte os separe". Essa geração cresceu moralmente hipócrita e recalcada. Deixou uma herança nociva e precisou ser mudada. As pessoas tomaram um outro rumo. Foi quando formamos uma nova era, conhecida como "A Geração do divórcio". A liberdade, o direito garantido, de todo, e qualquer cidadão, de dar um bico no rabo do(a) parceiro(a) rumo às mais distantes galáxias. Para depois, é claro... começar de novo! Os homens normalmente recomeçam e quase sempre não querem nada sério - tornando o pai objeto descartável. As mulheres, nesse momento, ficam cuidando dos filhos, trabalhando duro na carreira. Elas conhecem as poucas perspectivas de ainda encontrar um cara interessante, solteiro e que tope seriamente assumir essas condições. Está nas mãos dela, na maior parte das vezes, realizar todo o trabalho com os filhos, quase sempre sozinha. Normalmente esta é a realidade que estou vendo. São os filhos de Sarah Connor: pouco tempo para lidar com suas próprias confusões mas, nascidos para vencer o destino. A vida exige muito das pessoas e rouba delas o convívio com sua família. É nesse ponto que os filhos se criam sozinhos. Sem uma pessoa servindo de bom exemplo. Sem ensinamentos importantes a serem aprendidos. Sem uma história de vida a ser compartilhada. Você encontra provas desse fato em todo lugar. Garotos de 10 anos cometendo assassinatos. Crianças gerando crianças. Relacionamentos superfuluos. Fatos antigos, é verdade mas, altas estatísticas! O pouco tempo força os pais para somente preparem o alerta aos filhos de uma vida dura, perigosa e que vai te bater e deixar de joelhos se você permitir. Onde estão as pessoas que resolviam os problemas que ocorriam nessa hora? Aqueles caras que costumavam te ensinar coisas importantes sobre não existir amizade sem lealdade. Sobre levantar a cabeça quando perder, sem choramingar. Respeitar os mais velhos e proteger os mais fracos. Aprender com a "Old School", porque eles entendem de tudo quanto é assunto. Tratar mulheres sempre como damas, e não se permitir ser um babaca como tantos outros. E o mais importante: trilhar o caminho do que é certo, bom e justo. Não importa o quê os outros deixem de fazer. Está provado que num mundo que tenta te tirar tudo, este ainda parece ser o melhor caminho. Problema antigo ainda sem solução. Os exemplos simplesmente sumiram. O vazio ficou no seu lugar. O pai está em falta, não existe mais o homem da relação, nem tampouco o mentor. E os filhos da Sarah Connor crescem por aí... Confusos e sozinhos... Precisam salvar o futuro.


*Sarah Connor: personagem da estória "Terminator" (Exterminador do Futuro). Mãe de John Connor. Orfão de pai, futuro líder da resistência contra às máquinas, pressionado por sua mãe a passar toda sua vida aprendendo uma única coisa: como salvar o mundo.